segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Meu Cariri, por Tito Oliveira

Quando garoto os finais de semana eram os momentos de ouvir discos que meu pai tocava numa vitrola RCA. Recordando tais momentos nesta semana fiquei reencantado, se é que tal vocábulo existe, mas fiquei ao assistir uma entrevista com a nordestina potiguar Ademilde Fonseca.
Com seus 90 anos a “Rainha do Choro” deixou o seu Rio Grande do Norte para cativar e conquistar platéias no sudeste brasileiro. Sem abandonar as raízes nordestinas Ademilde revela receitas para a saúde com plena atividade ainda como cantora.
Esta Rainha encantadora, considerada como a maior interprete do choro cantado, mostra a ousadia nordestina em diversos momentos, como no momento que resolveu cantar o “Tico-tico no fubá” durante uma apresentação com Benedito Lacerda, mesmo diante da descrença, pois tal canção era aceita somente como um instrumental. Agradou tanto que gravou, virou sucesso nacional, integrou o conjunto “As Eternas Cantoras do Rádio” e cantora da Rádio Tupy do Rio de Janeiro.
Esta é mais uma bela e significativa referência da intervenção nordestina na construção brasileira, neste caso no âmbito artístico-cultural. Até hoje nota-se esta marcante influência em vários estados do sudeste, não somente na construção civil e no urbanismo, mas também nas artes, cultura, literatura, política, esportes, artesanato, culinária, industrialização e em tantos ramos das atividades humanas.
Ao ouvir Ademilde Fonseca cantando “Meu Cariri”, foi como uma mágica relembrar aqueles finais de semana do passado, ouvindo ela entre tantos outros cantores tocando fundo na sensibilidade, emoção e na imaginação popular. A “Rainha do Choro” mostrando vivacidade, entusiasmo e uma energia excepcional desde a década de 50 até os momentos atuais com os seus noventa anos.
Ao ouvir Ademilde cantar... ‘no meu Cariri, pode se ver de perto, tanta boniteza, pois a natureza, é um paraíso aberto’, constata-se o enorme choque ao se comparar com muitas canções que hoje somos obrigados a ouvir em muitas rádios, que não ‘falam’ nada de nada, tamanha a mediocridade por conta do consumismo.
Mas Ademilde também canta a seca quando fala: “No meu Cariri, quando a chuva não vem, não fica lá ninguém, somente Deus ajuda”.  A ‘boniteza’ e a seca, dois cenários que compõe a configuração histórica caririense cantados pela Rainha são ainda vivenciados entre nós.
Refiro-me neste momento à seca quanto ás carências das mais diversas, seja no relacionamento interpessoal, ou na insatisfação permanente diante do consumo e também nos serviços públicos que carecem de conceitos como qualidade e excelência. Esta seca que maltrata as pessoas, que gera doenças físicas e emocionais, que provoca posturas de violência entre supostos humanos, que distorce visões de quem tem o poder em relação ao submetido aos poderosos. Seca que alimenta exploradores e manipuladores.
Seca que seca entusiasmo, esperanças, sonhos, desejos, romances e canções.
Mas temos a ‘boniteza’ possível de ser construída, pois a natureza humana é um paraíso aberto, sem limites, fonte de possibilidades quanto a transformação, mutação, construção. Parafraseando a encantadora potiguar pode-se entender que a ‘a chuva desejada’ que constrói a ‘boniteza’ está dentro de cada um de nós, em nossos pensamentos, sentimentos, posturas e ações.
Quer exemplos contundentes desta assertiva? Olhe ao seu redor e sinta a ousadia e cheire os suores de quem ainda está profundamente presente na construção desta cidade. Sim, Padim! É claro que ainda temos diversas ‘secas’ a serem superadas, mas esperar ‘cair dos céus’ é uma postura covarde ou acomodada. Você pode cantar e encantar-se fazendo a sua parte, tal como uma gota de chuva. Construa a sua realidade como numa canção, nota após nota, todas em sintonia e então cante bem alto em cada passo, a cada gesto e assim construirá a ‘boniteza’.
Faça como a Rainha do Choro, Ademilde Fonseca, que ao invés de alimentar a seca de seu próprio nome, optou por nutrir fontes proativas, superando obstáculos, enfrentando ‘nãos’ e principalmente dando uma lição mestra de como viver inteira e certeira até os noventa.
Melhor que estes meus escritos, creio ser uma visita no youtube e apreender com esta encantadora nordestina durante uma entrevista ao completar noventa anos.
Depois de assistir tal entrevista tens uma nobre obrigação. Somente para consigo mesmo, tens a obrigação de agir seja como um‘brasileirinho’, mesmo que seja através dos vôos de um ‘tico-tico no fubá’, mesmo assim tens o digno dever de construir a ‘boniteza’ do seu e do nosso Cariri, seja você de lá ou daqui.
Obrigado, Ademilde Fonseca pelas fontes de lições que não secam em ti.

Texto gentilmente cedido por Tito Oliveira

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